O BAÚ DAS LETRAS

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Nova entrevista com Mauricio Leite



Tendo a literatura como destino
Estradas de terra em campos minados, longas viagens em uma frágil canoa, noites sem luz, dias e dias em lugares isolados. Para promover o livro e a literatura, o mato-grossense Maurício Corrêa Leite sempre enfrentou desafios assim. Aos 54 anos, esse educador errante já passou por maus bocados. Em 2008, por exemplo, pegou malária em Angola. Mas nada disso o impede de seguir sua trajetória. Ao contrário. Como ele conta ao site do Instituto C&A, em entrevista concedida por telefone de sua casa em Cascais, Portugal, os desafios o impulsionam sempre mais.

“Quando vou trabalhar num lugar, escolho sempre o pior. Em Angola, por exemplo, trabalho em escolas que não têm quadro, não têm giz, não têm nada. As crianças escrevem com o dedo no chão, fazem contas com pedrinhas e nunca viram livro na vida. Mostrar o livro pela primeira vez para uma criança e participar desse momento de sua vida é um privilégio. O livro é a única janela que pode abrir o mundo para que ela veja uma outra realidade além da sua”, diz ele.

Das inúmeras experiências vividas em Angola, Leite cita um episódio ocorrido há pouco tempo, quando chegou a um vilarejo solitário bastante distante de Luanda. Depois de balançar três dias num carro por estrada de terra batida, depois de passar por um parque natural de leões, ele não foi bem recebido.

“As crianças dessa região nunca tinham visto um branco e há uma lenda do tempo da colônia que conta que existia um português que cortava a cabeça das crianças que ficassem zanzando pelas matas. Elas me viam e corriam. Com os dias, fui me aproximando e, no final da semana, já estava amigo das crianças. Elas sabiam meu nome, o nome das histórias e dos livros que li”, relembra.

Além de realizações inesquecíveis, o trabalho de Leite em Angola lhe rendeu uma indicação ao Astrid Lindgren Memorial Award. Instituído pelo governo sueco e atribuído anualmente, o prêmio é considerado o mais importante da literatura infantil de todo o mundo. “Essa indicação me envaidece por ter sido feita pelo governo de Angola”, diz Maurício.

Acompanhe abaixo um pouco mais da história desse educador, que leva a vida promovendo o livro e a literatura.

Instituto C&A – Qual foi seu percurso para chegar à área de promoção da literatura?Maurício Corrêa Leite – Sou formado em teatro e andava com uma dessas malas que têm boneco, fantoche, maquiagem e fantasia. Como tinha sido professor e sempre trabalhei com movimentos ligados a causas sociais e à educação de minorias, qualquer dinheirinho que conseguia era para comprar livro. Um dia, olhei para minha mala e pensei: isso aqui dá uma bela biblioteca. Empurro a parte de teatro para cá, ponho os livros aqui e pronto! Criei essas bibliotecas itinerantes por uma necessidade, por um desespero: queria saber como uma quantidade menor de livros poderia atingir uma quantidade maior de crianças, num tempo menor e com um custo mais baixo.

Instituto C&A – Por onde sua mala já andou?MCL – Comecei a trabalhar com a mala de leitura em 1980, na Ilha do Bananal (atual estado do Tocantins), em aldeias indígenas e escolas da zona rural. A mala andou pelas capitais brasileiras e pelo interior do país. Em 1990, tornei-me fellow da Ashoka, que me abriu uma porta internacional. Meu trabalho fora do país começou nos Estados Unidos e foi para o México, África, Portugal e Espanha.

Instituto C&A – Como você define seu trabalho?MCL – O que tento fazer de uma forma menos poética e mais científica é despertar nas pessoas o gosto pela leitura. Sem blá-blá-blá, teatrinho, bonequinho, dancinha... O objeto principal do meu trabalho é o livro.

Instituto C&A – Você se coloca como um profissional da mediação da leitura?MCL – Não sou mediador de leitura. Sou promotor de leitura, incentivador de leitura. Acho que mediador de leitura é uma profissão que não existe. Se você é leitor, pode passar aquele prazer que adquiriu para outras pessoas. Por que mediar? No tempo em que você está mediando, vá lá e forme um leitor.

Instituto C&A – E é possível formar um leitor? Há caminhos a serem seguidos?MCL – Acho que sim. Para isso, tem que ter livros e um plano de trabalho, um programa para o livro. Tem que saber até onde você vai levar esse leitor. Eu trabalho com a criança como se fosse o último dia da minha vida, porque não sei quanto tempo vou ter ali para alimentar aquela fome de livro e de leitura nela. Faço o trabalho como se fosse a última vez. Mais do que ficar falando da importância de ler, é fundamental sentir na pele o prazer e o gosto da leitura. Não vejo outras palavras quando se vai trabalhar com leitura: prazer e gosto. É sempre importante lembrar que a literatura não é uma coisa técnica. É arte e é prazer. E você não pode dar um prazer mecânico. Você não pode dar uma coisa que não tem. Se não aconteceu com você, não pode acontecer com outro. Não é verdadeiro.

Instituto C&A – Seu trabalho é desenvolvido junto a escolas?MCL – Mais do que escola, gosto de trabalhar com a família. Pai, mãe, avó, avô... O pai, por mais simples que seja, uma vez convencido de que aquilo que você está fazendo é bom para o filho dele, será seu aliado. Acho que isso diferencia um pouco meu trabalho: a possibilidade de falar para as famílias. Na Ilha do Bananal, por exemplo, eu falava depois da missa, quando a comunidade estava toda reunida, ou ia a associações de moradores antes da reunião e lia uma história para eles, ou no conselho de índio da aldeia. Sempre fui buscando mostrar para os pais o que o filho ganharia se eles apoiassem esse trabalho.

Instituto C&A – Por que ler literatura?MCL – A literatura te permite conhecer as emoções humanas profundamente. Lendo um livro a gente fica triste, alegre, às vezes até tem ideias e complementa a história. Acho que esse é o grande ganho que você tem: poder elaborar as emoções humanas. A leitura vai te dar conhecimento e um monte de outras coisas. Lendo, você vai aprender mais, vai ficar mais culto. Mas isso não é o mais importante. Isso tudo é o resíduo que a literatura deixa. A literatura é legal porque trata da emoção humana.Outra coisa muito legal que o livro estimula é a concentração, que é fundamental para tudo na vida. Para ler um livro, você tem que ter concentração. Só assim você vai ter aquele abandono de se atirar numa poltrona e ficar duas horas ali. Sozinho, com o livro na mão, sem estar sozinho nem por um segundo. Acho uma bobagem aquelas propagandas que dizem “quem lê viaja” e não sei mais o quê. A leitura traz o conhecimento. Você pode não ter tido o privilégio de estudar muito na vida, de ter tido instrução, que é o que a escola dá. Mas cultura é com o livro. As pessoas me falam que eu tenho muito tempo para ler. Eu respondo: tempo para ler eu não tenho, mas eu roubo tempo do dia para a leitura.

Instituto C&A – Como se lê uma história?MCL – Quando você assume o papel de apresentar um livro, tem de ter um certo preparo, fazer bem a lição de casa. Tem de conhecer o livro e o ritmo das palavras, não mudar as vírgulas do lugar, ler as reticências nos tempos normais... O livro é sua partitura. Se você der uma pausa além daquela que o autor indicou, pode mudar todo o sentido da história naquele momento. Tento ser sempre fiel à música do livro. É para rir naquele momento? O autor quer que a criança sinta muita alegria, quer que o leitor fique mais reflexivo, quer que sinta uma pontinha de saudade? Ele diz. É como cantar uma música. Cantar a música que o autor compôs.

Instituto C&A – Como diferencia a prática da leitura da prática da contação de histórias?MCL – Ouvir histórias forma o ouvinte. Todo mundo conta história o tempo todo e a gente gosta de ouvir. Se você está num ponto de ônibus e alguém está contando uma boa história, você ouve. Acho que é natural da gente contar e ouvir histórias. Isso é uma coisa. É um universo que eu acho lindo, mas não trabalho com ele por não ter tanto repertório e por achar que não tenho tanta graça assim. Trabalhar com o livro é outra coisa.

Instituto C&A – O que te motiva a fazer esse trabalho de promoção da leitura?MCL – Não sei fazer outra coisa, nunca fiz outra coisa na vida. Sempre gostei muito de ler. No primeiro dia em que eu fui à escola, cheguei em casa, arrumei as cadeiras que minha mãe tinha na sala de jantar, peguei giz e quadro negro e alfabetizei aquelas cadeiras todas. Sentava na cadeira, fazia pergunta, voltava, vinha, fazia papel de professor e respondia. Logo depois comecei a escrever cartas para a minha avó, que tinha muitos filhos. Também escrevia cartas para um senhor que morava perto da minha casa. Ele tinha um problema na mão e sempre me pedia para escrever para seus parentes na Bahia... Foi assim que eu comecei a escrever e a ler cartas. Na igreja, ajudava as senhoras que não enxergavam ou não sabiam ler. Lia para elas as coisas da Bíblia, das rezas, das orações...

Instituto C&A – E como você se tornou um leitor?MCL – Com 11 anos, li Monteiro Lobato. E você não lê Monteiro Lobato impunemente. Você vira leitor. Quando você lê Monteiro Lobato, já fica pronto para a vida!

Instituto C&A – O que acha da literatura infanto-juvenil do Brasil atual?MCL – O Brasil é um dos melhores e maiores países do mundo em qualidade de escritores e ilustradores. A gente exporta e esbanja talento. Escritoras como Ana Maria Machado e Lygia Bojunga Nunes são traduzidas em tantas línguas que eu nem saberia dizer. É muito bom poder trabalhar num país que tem essa boa literatura, desde Monteiro Lobato até aqui. As poesias da Roseana Murray, os livros da Stella Maris Rezende, os livros do Bartolomeu Campos de Queirós... Nossa, são de arrepiar o cabelo de lindura! Os livros da Lygia Bojunga Nunes... A Marina Colasanti com aqueles contos de fadas fantásticos. A Cora Coralina, que escreveu para criança, o Drummond, que escreveu para criança, o Jorge Amado, que escreveu para criança... É muito fácil fazer esse trabalho no Brasil. Mas esse é o tipo de trabalho que não dá para maquiar. Ou você é leitor a ponto de se empolgar tanto e querer dividir aquilo, ou não sai.

Instituto C&A – E a atual situação da leitura de literatura no Brasil, como você vê?MCL – Tem uma passagem no livro “Admirável Mundo Novo” (de Aldous Huxley, Editora Globo, 2009) que sempre uso como exemplo. Tudo ali era dividido por classes. Um dia, os filhos dos pobres da classe operária são levados a uma biblioteca muito linda, com livros lindos, encadernações lindas. E toda vez que eles tocam no livro, o livro dá um choque, que é para eles saberem que aquilo não é para eles. Eu acho que até hoje ainda dão esse choque na população brasileira. Há muito discurso, mas não acredito que o livro seja visto como uma coisa fundamental. É claro que o Brasil tem problemas sérios, como saúde, mas tudo passa pela cultura, pela leitura, pela informação.

Instituto C&A – Que dicas daria para cativar o leitor iniciante?MCL – Usar a técnica que aprendi com minha professora Francisca Nóbrega: levar o livro certo para a pessoa certa na hora certa. O que serve para João provavelmente não encantará Maria, se João gosta de aventura e Maria é mais romântica... Se você vai trabalhar com criança, preste atenção em cada uma. Se o Miguel de 7 anos vem de uma casa onde se lê e ele já tem uma certa prática de leitura, pode ter mais maturidade do que o Pedro, que tem 9 anos, mas não tem prática de leitura. O Brasil adota muito o critério de faixa etária para trabalhar leitura, o que é uma coisa errada. Isso quem inventou foi quem vende livro. Eu não vendo livro, eu vendo leitura.

Instituto C&A – Alguma indicação de leitura para jovens que trabalham com o incentivo à literatura?MCL – O livro “Gostosuras e Bobices”, de Fanny Abramovich (Scipione, 1994). Ali tem tudo para quem quer fazer um trabalho de promoção de leitura e ficar à vontade com esse mundo. É minha bíblia.(Por Lucila Rupp)


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1 comentário:

  1. BOA NOITE, MEU NOME E DANIELLE ROMANI, SOU JORNALISTA E GOSTARIA DE TER ACESSO AO E-MAIL OU TELEFONE DE MAURICIO LEITE.

    SOMOS AMIGOS, MAS PERDEI SEU CONTATO QUANDO DEIXEI BRASILIA. CASO NÃO ME POSSAM PASSAR O E-MAIL DELE, PEÇO, POR FAVOR, QUE PASSEM O MEU E-MAIL PARA ELE: DBROMANI@IG.COM.BR
    OBRIGADA E ABRAÇOS

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