O BAÚ DAS LETRAS

Livros, Leituras e muito mais...

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Uma biblioteca de livros digitais

“Sobre a Biblioteca de Livros Digitais

Integrado nas múltiplas acções do Plano Nacional de Leitura, a Biblioteca de Livros Digitais é um espaço dinamizador de iniciativas relacionadas com leitura e a escrita, que se assume como um agregado de livros de autores consagrados e aprovados pelo Plano Nacional de Leitura e, em simultâneo como um repositório de trabalhos realizados por pessoas interessadas em criar outros textos motivados pelo livro que acabaram de ler.
A Biblioteca de Livros Digitais é uma iniciativa Web 2.0, estruturada pela agregação de um número considerável de projectos individuais partilhados, entretecidos numa teia dinâmica de ligações e RSS.
A Biblioteca visa criar um espaço comunitário na Internet, que se situa para lá do conceito tradicional de lugar da publicação na rede, entendido como mero repositório de trabalhos.
A Biblioteca é um lugar de partilhas, de troca de experiências, agregador de todos quantos promovem e usufruem do prazer de ler e estão interessados em alargar o seu ciclo de amigos e conhecidos.
O que oferece a Biblioteca de Livros Digitais?
Todos os interessados em inscrever-se como membros da Biblioteca têm direito a dispor de 1 Gigabyte de espaço de disco, para guardar as produções que desejem vir a publicar nos livros que mais apreciam.
Os membros do da Biblioteca de Livros Digitais têm direito a participar nos múltiplos concursos e iniciativas promovidas pela organização.”
In: http://e-livros.clube-de-leituras.pt/


E a propósito de livros digitais, deixo um que faz parte desta biblioteca:
“A Revolta das palavras digitais” de Carlos Correia
http://e-livros.clube-de-leituras.pt/elivro.php?id=arevoltadaspalavrasdigitais

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Biblioteca, sábados à tarde...

O Grupo de Leitores que se tem vindo a reunir para ler e partilhar histórias é formado por membros da comunidade que se juntaram em torno desta ideia: a leitura e a sua partilha.
É este grupo que tem estado aos sábados, a partir das 15h30, no espaço infanto-juvenil da Biblioteca e que tem vindo a proporcionar e fomentar o gosto pela leitura de histórias, que deliciam as crianças e seus amigos ou familiares que se vão juntando em roda, para ler e ouvir ler. O seu bom trabalho, assenta numa boa escolha de livros que têm vindo a fazer, aos poucos.
Ontem, sábado 13 de Fevereiro, mais de 20 crianças ouviram e leram histórias, e saíram com vontade de voltar.
O Baú vai continuando vivo graças ao gosto e empenho de um grupo informal! A Biblioteca acolhe-os.
Nas diversas iniciativas que tiveram lugar nesta Biblioteca, ao longo de 3 anos (em Junho de 2010 contarão 4 anos de espaço aberto ao público) passaram por cá pessoas fantásticas que deixaram no ar e contagiaram com esta ideia de trabalhar com a comunidade, despertar os seus interesses e participação, tendo como eixo principal os Livros. Julgo que as sementes vão brotando.
José Fanha, fez visitas guiadas à Biblioteca, dando vida ao livros, autores e histórias que por aqui andam; trouxe-nos autores, poesia e música no Verão de 2008; orientou um ciclo de Conversas Vadias onde proporcionou conversas descontraídas com diversos escritores. Leu-nos poesia (ele também poeta e escritor), e revelou-nos o menino crescido, que habita nas histórias que escreve para os mais novos.
Miguel Horta, trouxe-nos as Palavras Marcianas e jogando, mostra como a comunicação é feita de códigos e como é tão importante conhecer a Língua. Desenvolveu diversas oficinas e trabalhou com diversos grupos de jovens que descobriram autores vários e livros com os quais nunca tinham sequer sonhado.
Ele próprio, autor e ilustrador / pintor, apresentou os seus livros.
Desde o início que esteve ligado à Maré de Contos, em Tavira e trouxe-nos pragas algarvias, contos crioulos, histórias de pescadores e dragões.
Maurício Leite, Violante Florêncio, orientaram oficinas onde passaram boas práticas para uma verdadeira Promoção da Leitura, no âmbito da literatura para a infância e juventude.
João Lizardo, o famoso senhor b contou-nos as histórias do mais antigo bibliotecário do mundo, que agora até tem um clube, onde vários meninos de Tavira estão inscritos!
A mediação da Leitura é necessária, para que os livros não sejam um património cultural morto e desadequado à comunidade.
Vivemos no século da Informação e se esta é uma das riquezas marcantes da nossa época, é fundamental pensar no papel dos leitores, nas estratégias sociais e educativas, pois a ferramenta básica para a compreensão de qualquer informação é a Leitura*.
A importância da formação de leitores, é a importância da formação de cidadãos activos, criativos, críticos e autónomos.
A Biblioteca conta com um Grupo de Leitores (mediadores de leitura) que tem dado vida a este projecto que se pretende venha a ser de Promoção da Leitura.
É preciso continuar !
* - Aqui é necessário ampliar o conceito de Leitura, porque a informação produzida é registada em diferentes suportes e que, sem substituí-los, se somam aos livros e textos escritos em geral.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Congresso IBBY em Santiago de Compostela (2010)


A IBBY (International Board on Books for Young People) é composta por associações e pessoas de todo o mundo com o objectivo de promover os livros para a infância.
Entre diversos eventos realiza congressos com uma frequência bienal.

Para ler mais sobre o Congresso IBBY em Santiago de Compostela, no próximo Setembro deste ano, visite o site http://www.ibbycompostela2010.org/

Sobre a Leitura...

Lembro-me que tirei notas de um texto que li sobre mediadores da leitura e do seu papel, onde se afirmava que a leitura para além de não ser um hábito, não é gosto, nem prazer. É uma necessidade, por ser um bem cultural e social. Ensina-se, aprende-se e, acima de tudo contagia-se.
"[...] Mas como se constituiria a necessidade de leitura? Para Bourdieu e Chartier a leitura e a escrita são prácticas eminentemente culturais, construídas nas tramas das redes sociais, e a necessidade de leitura e de escrita apenas se constitui quando estas adquirem valor social, quando se transformam num bem cultural valorizado pelo grupo. Portanto, segundo estes autores, o acto de ler não se dá por si mesmo, a leitura é um consumo cultural entre tantos outros e, como tal, é históricamente variável e produto das condições nas quais nos constituímos como leitores”.

Coloco o texto entre aspas porque apesar de não ser a citação exacta, na medida que não encontro a fonte, e que, na altura, abreviei algumas frases e transformei palavras, não foi escrito por mim.

Paula Ferreira

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Bullying - romance de Pedro Foyos "Botânica das Lágrimas" comentado por Miguel Real


Coordenador d'O Livro Negro da Feira do Livro de Lisboa (Jornal, 1985), sobre a abstrusa proibição de venda de revistas no recinto da Feira do Livro, dos álbuns (Re)Descobrir Stuart e A Vida das Imagens (Diário de Notícias, 1989 e 1994) e Grandes Repórteres Portugueses da I República, Pedro Foyos, polivalente no campo do jornalismo, tem-se dedicado muito intensamente à fotografia, dirigindo diversas revistas da especialidade.

1. Contextualização
No romance, publicou um muito bem fundamentado romance histórico, de qualidade superior, O Criador de Letras (Hespéria, 2009), sobre a vida quotidiana no Próximo Oriente e a invenção do alfabeto, e, na rentrée escolar deste ano, um romance marcante na literatura juvenil portuguesa, Botânica das Lágrimas, livro de leitura aconselhada a professores e, sobretudo, alunos do ensino básico (3º ciclo) e secundário.
Integrado na corrente literária designada internacionalmente por young adult fiction, o romance de Pedro Foyos prossegue a linha pioneiramente desbravada, após o 25 de Abril de 1974, por Alice Vieira, Ilse Losa, Luísa Dacosta, Maria Alberta Menéres, António Torrado, Luísa Ducla Soares, José Jorge Letria, João Aguiar, António Mota, Ana Saldanha, Álvaro Magalhães, Maria do Rosário Pedreira e Maria Teresa Maya Gonzalez, Conceição Coelho, Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães (e muitos, muitos outros) de actualização do romance juvenil em Portugal, que, indubitavelmente, pelo serviço público de leitura e pelo número de vendas, tem atravessado uma autêntica fase de ouro.
Face à literatura juvenil clássica (Swift, H.C. Anderson, Stevenson, Júlio Verne, E. Salgari, M. Twain, Enid Blyron, Ana de Castro Osório, Ricardo Alberty, Simões Mueller...), o conteúdo das histórias pertinentes à nova literatura juvenil portuguesa tem operado três substituições:
a) abandonou a componente moralista e/ou religiosa enformadora de muitos textos clássicos, não raro expressão de preconceitos sociais coevos, fortemente aculturadores da mente das crianças, substituindo-a por uma visão ecolágica, socialmente relativista e etnicamente multicultural das relações sociais, deixando entrar nos textos o novo Portugal democrático e europeu, tolerante e lusófono;
b) abandonou o tema da evidenciação ostensiva dos aleijões sociais ( o órfão, a criança enjeitada, analfabeta e miserável; os bairros de barracas...), substituindo-o pela vida diária de uma criança pequeno-burguesa dos subúrbios ou de classe média urbana (o público leitor privilegiado), tecnologicamente activa, cientificamente informada e individualmente carregada de iniciativa;
c) substitui as antigas histórias mitológicas célticas e greco-romanas, dotadas de um estendal de seres mágicos (sereias, silvos, nereidas, grifos, unicórnios, fadas, gigantes denignos, anões malignos, bruxas velhas de narigueta e verruga...), por um universo fantástico novo fundado na ciência e na tecnologia, unindo estas aos antigos processos mentais míticos e mágicos, como a saga de Harry Potter o prova abundantemente. Uma característica, no entanto, permanece idêntica entre a literatura juvenil clássica e a actual - no fim da aventura, o herói e o leitor são invariavelmente recompensados pelo regresso (mais ou menos triunfante) à ordem benigna interrompida pela irrupção do mal.
Em síntese, a literatura juvenil, clássica ou actual, alimenta-se de duas categorias - o realismo e o fantástico -, de cuja combinação nascem tanto a sua atractiva beleza quanto os seus limites. Neste sentido, literariamente falando, o século XX pode ser considerado o tempo de irrupção e independência da literatura juvenil portuguesa, para o qual muito contribuiu, sem dúvida, num outro registo, O Romance da Raposa (1929), de Aquilino Ribeiro, e as As Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo (1963), de José Gomes Ferreira, livros absolutamente admiráveis..
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2.Botânica das Lágrimas
Botânica das Lágrimas não só obedece às quatro características acima indicadas, como, de certo modo, as resume, evidenciando-se, assim, como um belíssimo romance juvenil de aventura, fundado em dois pólos, o realismo e o fantástico, de obrigatória leitura, repetimos, pelos professores de ensino básico e secundário. Debruçado sobre um tema de grande actualidade nas escolas - o bullying ("tirania juvenil de forma continuada em ambientes escolar", p.374), Botânica das Lágrimas captou em perfeição o ambiente escolar próprio da prática do bullying (a extorsão de dinheoro aos mais novos, a destruição de bens pessoais, o "corredor da morte"...), a personalidade frágil mas ostensiva da prática de Rufino Cromado, de cérebro sobredotado, mas psicologicamente abjecto, de Simão-mão-de-betão, de Jeco Marado, a personalidade igualmente frágil mas corajosa dos "capitães" dos "Guerreiros Valentes", alunos mais novos que se sentem violentados e humilhados por esta prática, revoltando-se contra ela, nomeadamente Leopoldo, o "General Leo", e o seu ajudante "Bravo Toninho".
Do mesmo modo, o autor opera uma harmoniosa ligação ao exterior da escola, seja através da evidenciação de um leque de sentimentos próprio da puberdade (orgulho, revolta, vaidade, companheirismo, amor próprio, atracção sexual...), seja através da relação terna e angustiada entre Leopoldo e a sua mãe, hospitalizada (vergonha de chorar, necessidade forçada de se tornar adulto). Porém, a chave de ouro de Botânica das Lágrimas reside, indibitavlemente, por um lado, na opção pelo Jardim Botânico, em Lisboa, como cenário maior do romance (a visita de estudo "Passeio Plantástico"), e na utilização majestosa da figura do professor Brotero como guia (homenagem ao botânico Félix Avelar Brotero, mas também ao professor Fernando Catarino, aliás, citado no romance, como Rómulo de Carvalho/ António Gedeão e Viiriato Soromenho Marques), e, por outro, pela introdução do fantástico através do encontro de Leopoldo com Camões e do diálogo daquele com as árvores, diálogo diversificado consoante a natureza (isto é, a personalidade) de cada árvore. Esta é, de facto, a ideia chave do livro, que terá forçado o autor a uma demorada investigação científica, ilustrada pelos úteis anexos do romance. O mais forte momento dramático do romance reside, assim, na ajuda que o reino vegetal do Jardim Botânico presta aos "Guerreiros Valentes# no combate contra o bando do Ruffino Cromado e a prática do bullying, repetindo, em 2009, o episódio republicano da "Grande Coça de 1914".
Uma forte chamada de atenção para a atractiva combinação de aparatos estéticos: (1) a mancha gráfica do romance, dotada de um apurado jogo de letras e de separadores, (2) a divisão dos capítulos por minutos (entre as 9h,15 e o meio-dia), (3) o entreacto "trágico" ligado á história da implantação da República e (4) a intercalação no texto de quadros que se, por um lado, vão sintetizando a história das peripécias do General Leo, anunciam, por outro, "nós" bloqueadores da intriga, que o sesenrolar da história posteriormente desbloqueará.
Belíssimo romance para ser incluído no "contrato de leitura" do programa da disciplia de Português e partilhado em sala de aula entre professores e alunos.
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"Miguel Real In "JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias", Ano XXIX/Nº 1022, de 2 a 15 de Dezembro de 2009, pp 22 - 23

"De pequenino se lê o livrinho"

Divulgamos a campanha "De pequenino se lê o livrinho". É uma campanha da Fnac
com livros seleccionados pela Casa da Leitura "http://www.casadaleitura.org/" dirigidos
a crianças dos 4 aos 6 anos (pré-leitores). A campanha decorre até 21 de Fevereiro.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Alunos do Jardim Escola João de Deus vêm à Biblioteca com "O Senhor que vivia na Lua"

"O Senhor Que Vivia na Lua e Outras Histórias Divertidas"
de Vera Roquette


Dia 18 de Fevereiro pelas 16h00, os alunos do Jardim Escola João de Deus, estarão na Biblioteca Municipal para apresentar uma encenação do mais recente livro de Vera Roquette, ilustrado por Rita Antunes e editado pela Oficina do Livro.
A autora estará presente para uma sessão de autógrafos.

Este é um livro de histórias alegres. Desde um senhor tão distraído que vai em pijama para o próprio casamento, até uma menina de prata que quer fazer as crianças felizes. Contém as histórias: O Senhor que Vivia na Lua A Princesa Choramingas A Menina de Prata O Colar de Esmeraldas.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Maurício Leite entrevistado pelo Contador de Histórias



Maurício Leite é um brasileiro irrequieto e sem papas na língua. Arte-educador, com trabalho realizado nos mais diversos locais do mundo mas com especial incidência nos PALOP, começou a guardar parte da bagagem em Portugal, nos últimos anos. Foi em Cascais, junto à sua casa, que conversámos sobre o peso dos livros e muitas outras coisas.

FL - Quando se faz uma pesquisa sobre ti, aparecem inúmeras coisas, entre elas “artista plástico”. Como é que te defines?
ML - Sou educador! Sou arte-educador, sou formado em arte-educação e dentro da arte-educação escolhi trabalhar com o livro. Acho que é a arte mais chocante, que mais me toca, que é mais acessível e que é mais necessária. Eu sou de um país pobre e a maior pobreza que alguém pode ter é a pobreza intelectual e eu achei que a maior contribuição que eu podia dar como arte-educador era trabalhar com a literatura infanto-juvenil, com esse intuito de despertar o gosto pela leitura.
Artistas plásticos são os meus plagiadores, se procurares na Internet vais ver um monte de gente que tem o meu projecto mas que nunca me consultou. As pessoas vêem a ideia da Mala e fazem… vão fazendo. Eu, como bom guerreiro, não me incomodo, o que nós temos de mostrar é competência. O que eu posso dizer aos imitadores é “Que pena!”, se me tivessem procurado eu poderia ter ajudado, porque eu nunca cobrei nada para ensinar a fazer o que eu faço.
FL - Já estás em Portugal há algum tempo, o que achas do país ao nível da tua área de trabalho?
ML - Vou falar em geral, nos países de língua portuguesa, onde tenho trabalhado nos últimos anos através da CPLP. Estão todos em pé de igualdade, se bem que Portugal esteja um pouco melhor porque é mais rico e tem mais bibliotecas. Mas há coisas que me chocam muito: no outro dia fui a uma biblioteca e perguntei quantos livros infantis tinham. Tinham doze mil. E quantos leitores? “Há um menino que vem aqui e lê muito”. E o que é que ele lê mais? “O Tio Patinhas, porque nós não emprestamos”. (risos). Acho tudo muito equivocado, todos querem fazer mas têm uma receita mais rançosa, mais velha do que a outra.
Em relação a Portugal, especificamente, não está nem sequer a gatinhar, ainda. Incomoda-me o formato do livro, o preço do livro, o peso dos livros, todos são iguais, todos têm capa dura, todos são incómodos de transportar. Eu, que sou promotor de leitura, se levar cinquenta livros portugueses tenho de contratar um carregador, porque eu não consigo. Estou a falar de livros infantis… São muito presunçosos.
Há coisas boas, mas ainda são poucas, na parte da ilustração. Há muitos artistas plásticos famosos a ilustrar, mas o facto de ser um artista plástico não o faz um ilustrador. Um ilustrador tem que estar mais ligado ao design gráfico, à programação visual, a contar uma história através da imagem ao serviço da literatura.
Por isso eu ainda trabalho com poucos livros portugueses, para crianças. Trabalho muito mais com livros africanos. Eu tenho encontrado verdadeiras pérolas. Por exemplo em Moçambique o livro da Angelina Neves que se chama “A banana vaidosa” é um livro feito em casa, ilustrado em casa e que custa menos de um euro. Assim nós vemos que não é o tamanho do livro, se a capa grossa ou dura que vai definir se a literatura é boa.
FL - Tu costumas dizer, em relação às tuas actividades, que elas valem cada cêntimo. Quanto aos livros, achas que têm um preço excessivo face à qualidade?
ML - Isso não me compete muito mas eu tenho uma opinião: nós não precisamos de comprar um livro novo! Podemos comprar livros usados, podemos comprar livros a dois e podemos ir à biblioteca que eles emprestam.
Sobre o preço do livro eu não sei se é justo, mas acho sempre caro. O único lugar do mundo em que o livro é barato é Cuba, onde é vendido a cêntimos, com papel barato, com edição barata, o importante é a qualidade da literatura e não a sofisticação do livro. Obviamente que se pudermos ter um livro bonito, bem ilustrado, num papel sofisticado é bom, mas isso quando o livro pede, não significa que todos têm que ser assim.
Acho que os editores devem rever certos valores, actualizarem-se. Em França encontramos livros incríveis, cartonados, plastificados, leves, baratos, em Espanha comprei uma colecção em que cada livro custa quatro euros, desdobráveis, que vão durar toda a vida… Acho muito antiquada a postura dos livreiros portugueses.
FL - Mas porque é que achas que isso acontece em Portugal, onde estamos sempre tão interessados em importar modas?
ML - Isso é mais antigo que o mundo… O livro que não fica em pé não é bom! (risos)
FL - Achas que é só mesmo por causa disso?
ML - Por isso é que eu te disse que acho que os livreiros têm de rever certos valores, um é esse. Ou então é o autor que acha que a obra se torna menor se “não ficar de pé” na estante. Hoje entramos numa biblioteca e parece uma ameaça, porque os livros estão todos de pé, a olhar-te.
O que vai definir a qualidade de um bom livro é um bom texto, um texto adequado para a criança, adequado ao tempo actual mesmo que seja uma história antiga. Eu acho que, depois da Playstation, dos Dvd’s, o livro está na idade da pedra, no seu formato e conteúdo, salvo raríssimas excepções. Aquilo que eu digo é sobre aquilo que eu conheço e o que eu conheço é ainda muito pouco, pois estou cá há pouco tempo.
Quando eu fui para Moçambique comecei a ler literatura infanto-juvenil moçambicana e hoje posso falar um pouco sobre ela. Em Angola comecei a ler e encontrei coisas maravilhosas como Dário de Melo. Em Portugal eu estou em fase de namoro, portanto estou a falar do que vejo nas bibliotecas. Acho tudo muito comercial e muito desperdício de papel. Volto a dizer: eu carrego livros! Tenham piedade de nós, promotores de leitura… O ano passado tive uma tendinite de carregar a mala de livros. O médico proibiu-me, mandou-me pôr rodinhas, dividir o peso nas costas… Eu tenho calos nas mãos desde que iniciei esta profissão. Qualquer livro pesado fica fora da minha mala.
FL - Vamos então à Mala de Leitura, queres falar um pouco sobre ela?
ML - Toda gente, quando vê a Mala diz que quer ter uma, mas… A Mala de Leitura vai muito além do que as pessoas vêem. Tem por trás dela critérios muito rigorosos de selecção, tem critérios científicos de avaliação na questão de qualidade/quantidade de leitura e leitores, tem um cronograma, tem um planeamento.
Quando procuramos na Internet encontramos várias Malas, mas têm a Mala, não o espírito. O que eu acho que faço diferente no mundo da leitura é o seguinte: como é que uma quantidade pequena de livros pode atingir uma quantidade maior de pessoas num tempo menor e por um custo mais baixo e sendo itinerante?
Mas como tudo na vida eu tenho de ter um critério, que livros são esses, que comunidades são essas, que tipo de leitor se vai formar, o que pode interessá-los num primeiro momento, por onde começar. Aí começa o meu trabalho, o que acho mais difícil, que é a selecção.
FL - Organizaste uma exposição de brinquedos tradicionais, patente na Biblioteca de Tábua, com peças recolhidas na zona. Quando é que começaste a interessar-te por essa área?
ML - Chamaram-me para fazer um trabalho na Ilha do Bananal, em Mato Grosso. Mas não tinham dinheiro, nem livros. Por isso, comecei a trabalhar com as tradições locais, orações, rezas, lendas indígenas, a história das pessoas, como é que elas chegaram àquela região.
Um dia vi alguém a fazer um brinquedo, feito com buriti, que é uma palmeira muito importante para nós lá na Amazónia. Ela é chamada o “mimo da terra” porque tudo se aproveita, comemos, fazemos óleo, roupa, casas, muitos animais moram nela, outros alimentam-se dos coquinhos.
Um homem fez um aviãozinho, com uma hélice, que mexia e tudo. Eu perguntei e ele tinha aprendido com o avô dele e eu iniciei uma pesquisa sobre brinquedos que tinham história. Em Portugal encontrei muitos brinquedos de origem portuguesa, outros de origem africana misturados com tradição indígena. No Brasil, trabalho muito na zona do nordeste onde há muitas influências portuguesas e holandesas, que se notam nos brinquedos.
Depois começámos a fazer coisas para ganhar dinheiro, a fazer animais que passavam no fundo do quintal, como a sucuri. A sucuri é uma cobra que tem doze metros, a minha tia é especialista em matá-las porque elas estavam sempre a comer os animais, galinhas, porcos.
Se alguém tiver alguma sucuri por aí é só chamar a Tia Rosinha… (risos). Como na Amazónia convivemos muito com a natureza começámos a fazer o que estava em redor e hoje temos um museu de três mil e quinhentas peças, um museu itinerante. Vendemos uma parte de animais e insectos para o Museu de História Natural em Manhattan, eles têm o exclusivo para comprar dez modelos, um contrato de quinze anos, não podemos trabalhar para mais ninguém.
FL - Mas pagam primeiro e só depois é que vocês entregam, não é?
ML - Pagam em Janeiro e nós entregamos em Dezembro… (risos) Mas isto é mais “uma cauda de pavão”, porque é uma coisa muito simples, de uma região muito pobre e eu achei que merecia ser assim “sofisticado”. Quando alguém pergunta “Vocês vendem?” eu respondo “Vendemos”. “Onde?”. “Na loja do Museu de História Natural em Nova Iorque. No final fica bonito…
FL - No fundo esse pode ser um bom exemplo para o nosso país…
ML - Muitas das nossas virtudes no Brasil encontrei-as aqui em Portugal, mas também muitos dos nossos defeitos. Um deles é a fogueira das vaidades dos governantes e outro é não fazer o óbvio.
Tudo o que as pessoas souberem fazer hoje com as mãos vale muito mais porque se torna um produto sem igual no mercado, o que é genuíno.O brasileiro tem a mania de fazer qualquer coisa e achar que o estrangeiro é burro, qualquer coisa serve.
Mas hoje em dia, tudo o que tenha uma base natural, que seja retomar a tradição, trabalhar com uma fibra, com um tingimento natural é muito valorizado. No Brasil encontrei uma amiga que descobriu um algodão que estava quase extinto, que é o algodão-ganga, já nasce castanho, não é preciso tingir.
Ela conseguiu algumas sementes, plantou e ela tem um grande incentivo da Suiça e todos os tecidos de algodão-ganga são vendidos para uma fábrica lá, para fazer capas de sofás. É uma ideia muito simples mas que acaba por ser sofisticada. Ela recuperou uma coisa antiga e tem agora um centro de teares, onde as senhoras vão trabalhar, numa zona muito pobre, em Minas Gerais.
Portugal é muito apegado à sua alimentação, o pão de cada região, o vinho, os frutos, e isso é um potencial. Eu fui a Ponte de Lima e vi uns lencinhos bordados com histórias de amor, num português arcaico, muito bonito. O lenço mais pequeno, com uma pombinha, que dizia “A nossa amizade vai-se acabar no dia em que esta pombinha voar” custava trinta e nove euros. Haverá sempre quem compre porque só lá é que se faz e faz-se muito pouco.
FL - Em termos de promoção do livro e da leitura também achas que estamos a deixar de fazer as coisas simples e a ir para coisas demasiado complicadas?
ML - Não acho que sejam demasiado complicadas, acho é que não é o caminho. Quem quer fazer promoção da leitura não é por aí que deve “soprar”. Para além disso estão todos a “soprar” para sítios diferentes e por isso nunca vai haver “vento”.
A questão está na competência, de boas intenções está o inferno cheio. Qualquer adulto, qualquer professor, qualquer pessoa acha que pode fazer este trabalho.
Mas vamos ser claros, o que é que envolve saber fazer esse trabalho? È preciso sermos um voraz leitor de tudo o que se publica para crianças e jovens e também que conheçamos crianças e jovens!
O que interessa a cada faixa e o que é a literatura, temos que ter um feeling sobre o que é um bom livro. A minha mestra Francisca Nóbrega ensinou-me o que nenhuma faculdade me ensinou: dar o livro certo, para a pessoa certa, na hora certa e sair de perto. Para isso é preciso ter competência.
Quando tu vais ao médico para ser operado, ser ele não for competente ele mata-te ou deforma-te. Para um piloto de avião ou outra profissão qualquer é preciso ser competente, mas quando chegamos á promoção da leitura qualquer um acha que pode fazer.
Em quase todos os lugares, quando alguém abre a boca para falar de promoção da leitura diz a primeira heresia: “Tem que se criar hábito”. Eu acho que o mesmo tempo que se demora para criar um hábito demora para formar um leitor, a competência é que é diferente. Hábitos adquirimos e perdemos ao longo da vida, mas aquilo que é feito pelo prazer não se perde nunca.
A primeira coisa que acho errada é que todos os projectos vêm “atrelados” à escola. A escola não é um bom lugar, não é um lugar bom, não está bem. Ninguém gosta da ministra, ninguém está contente com o que ganha, ninguém está satisfeito. A escola é uma enxaqueca. Oitenta por cento dos que lá estão não são educadores, estão lá porque não arranjaram outra coisa para fazer, porque não tiveram coragem, porque não tiveram competência e como o Ensino não avalia qualquer coisa serve.
Porque não fazer os programas de leitura noutros locais? Porque não fazer na praça? E a Biblioteca? Porque é que não cumpre a sua função de levar o livro e a cultura? A Biblioteca espera que tu sejas leitor e vás lá. A maioria vai para estar na Internet, o resto vai para ler livros obrigatórios da escola, outros vão ler o jornal, enfim…
FL - Alguma mensagem que queiras deixar?
ML - Tudo vale a pena se a Mala não é pequena… (risos)



Livro
ML - O que eu mais gostei nos últimos tempos é uma nova versão, espanhola, do “Soldadinho de Chumbo” e é um livro de imagem.



Disco
ML - Quero sugerir um disco que é da Ala dos Namorados, que é o que mais gosto do pouco que conheço da música portuguesa. Quando eu estive em Maputo estive doente durante uns dias e não pude sair de casa. Na RTP só passava Ala dos Namorados a tocar “O Fado do Passarinho”, que eu amo.

Maurício Leite - "O aventureiro da literatura "

O aventureiro da literatura

O contador de histórias Maurício Leite percorre o país para estimular a paixão pelos livros em crianças e adolescentes O educador Maurício Corrêa Leite tem 43 anos e até hoje recorre ao “Era uma vez…” para iniciar uma boa conversa. Leite é viciado em histórias infanto-juvenis. Corresponde-se com grandes escritores brasileiros, participa de feiras de livros, não perde lançamentos. É um contador de histórias. “Vendo o prazer da leitura”, diz. Traz na memória cada palavra de todos os 50 livros que carrega numa mala azul-escura, de compensado de madeira. Peregrina por escolas, livrarias, teatros, igrejas e tabas indígenas para conquistar novos leitores.
Os livros variam. As histórias, escolhe a dedo. Na mala de Leite estão clássicos da literatura nacional e mundial. Livros de Machado de Assis, James Joyce e Umberto Eco perfilam-se com os de Ana Maria Machado e Lygia Bojunga, vencedoras do Hans Christian Andersen, o Nobel da literatura infanto-juvenil. Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha, Ponto de tecer poesia, de Sylvia Orthof, e Cena de rua, de Angela Lago, ocupam lugar de destaque. ”O livro atiça a imaginação, entretém, educa”, diz ele. “É uma viagem por realidades variadas, cheia de prazer.”
Solteiro, Leite começou a garimpar leitores em 1980, na Ilha do Bananal, entre o Tocantins e Mato Grosso. Trabalha na região até hoje. Nas comunidades indígenas e na zona rural, encanta ouvintes e ensina crianças e adolescentes a brincar com as palavras. No início, esperava a hora da missa, pedia permissão ao padre e contava uma história com o livro na mão, antes da celebração. Nos primeiros anos, recebeu apoio do Unicef e de uma fundação americana. Hoje, vive dos convênios com escolas para desenvolver programas de leitura e capacitar professores e presta consultoria a projetos de geração de renda com o artesanato em aglomerados pobres.
Seleciona as obras com a ajuda da educadora Cristiane Salles, com quem trabalha há 12 anos. Ela lê os lançamentos infanto-juvenis e os avalia. O projeto dos dois atraiu o interesse de instituições de ensino dos grandes centros urbanos. Cristiane coordena, desde 1999, o programa de leitura da Escola Arvense de Brasília, de ensino infantil e fundamental. Diariamente, os alunos participam da Hora da Mala. Os livros circulam pelas salas. Hoje, os 500 estudantes lêem, em média, 120 títulos por ano. A convite da Universidade de Nova York, Leite ensina empresários e educadores americanos a desenvolver na criança o amor pela literatura. O contador de histórias quer criar uma legião de apaixonados por livros no planeta.
Maria Clarice Dias, de Brasília

Revista Época
Edição 144 19/02/2001
http://epoca.globo.com/edic/20010219/cult6a.htm